EXPLICAÇÃO
Não é nossa intenção, neste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), referente ao Curso de Especialização em Ciências Jurídicas II (1.982-1.983) da Universidade Federal do Pará, escrever um tratado sobre o Poder Constituinte e sobre a reforma constitucional, inexeqüível por circunstâncias diversas mas igualmente imperiosas.
O tema nos seduz, pela sua perene atualidade e pela importância medular que assume no ordenamento jurídico-constitucional, cuja índole mais ou menos democrática decorre necessariamente das decisões fundamentais consagradas na Lei Magna pelo Constituinte Originário.
Diversos temas axiais se entrelaçam, neste ponto: o do Poder Constituinte, o da supremacia constitucional, o da reforma constitucional e mesmo o do controle de constitucionalidade, cuja inexistência ou deficiente funcionamento poderão impossibilitar a distinção entre o Poder Constituinte Originário, criador e o Poder Constituinte Derivado ou Poder de Reforma Constitucional .
Se o povo é titular da soberania e somente ele pode, no dizer do Abade SIEYÉS (Qu’est-ce que le Tiers État?), criar uma Constituição, pode ser que ele se equivoque redondamente e pensando ser livre, somente o seja, na realidade, na rara ocasião em que elege os membros do seu parlamento, conforme a crítica amarga de ROUSSEAU (Contrato Social, Livro III, capítulo XV) ao instituto da representação política, ainda mais pertinente se a relacionarmos com a ocasião, muito mais rara, em que o povo seja chamado a eleger uma Constituinte. E se a representação, via de regra, nunca exprime a autêntica vontade do eleitorado, seremos forçados a profundas meditações relacionadas com o próprio escôpo de qualquer sistema jurídico: a justiça social.
Quando, porém, a própria teoria da representação, que afasta o povo da participação direta no governo do Estado, é abandonada, sob a alegação de que falta ao povo a educação política e que ele não está preparado para votar, seremos obrigados a concordar com todos os absurdos, até mesmo com o de que as eleições custam muito caro e podem agravar nosso processo inflacionário.
Assim, em todo Estado onde faltar o controle de constitucionalidade, o Poder Constituinte perdurará ilimitado em mãos do legislador; em todo Estado onde inexistir autêntica representação, o poder legiferante será utilizado para finalidades espúrias, contrárias às do agrupamento político; e em todo Estado onde inexistir um Judiciário forte e independente, capaz de efetivar os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, todo esse ordenamento, Constituição e leis, não será melhor do que o do Estado mais autocrático.
Abordaremos, a seguir, alguns temas constantes dos diversos tópicos em que tentamos organizar a matéria, procurando sempre selecionar, em sua vastidão, aqueles mais interessantes e oportunos, relacionando-os com a atualidade brasileira e enunciando algumas propostas que acreditamos possam ser de valia. Esperamos que nosso trabalho, se for comparado com o taquari, o seja pela sua espessura e não pelo seu vazio interior
PODER CONSTITUINTE- TITULAR
Desde a obra clássica do Abade SIEYÉS, Qu’est-ce que le Tiers État?, que se admite ser titular do Poder Constituinte o povo, que deverá, em um ato inicial de criação do Estado , ao qual não se opõe qualquer limitação jurídica, eleger seus representantes em uma Assembléia Constituinte, que deverá desempenhar a missão de elaborar o Estatuto Básico do Estado: a Constituição.
Esse, portanto, o processo pelo qual se institucionaliza o poder cujo titular é o povo, e que encontra sua forma mais expressiva e radical na revolução vitoriosa, que se legitima a si mesma.
Se, contudo, o titular do Poder Constituinte é o povo, uma vez eleitos seus representantes , reunida a Assembléia Constituinte e elaborada a Constituição, ou se vitoriosa uma Revolução e institucionalizada pela outorga de uma Carta, esse poder não se exaure, permanecendo latente em seu titular, conforme reconhecem os doutrinadores.
Uma vez organizado o Estado, é evidente que o ordenamento jurídico deverá ser dotado de meios que permitam sua atualização, de modo a ensejar um contínuo processo de afeiçoamento da Constituição e das leis às necessidades sociais e aos interesses conflitantes. Da ineficácia desses meios resultarão, necessariamente, movimentos de força, a própria negação do Direito, como manifestação daquele Poder que se encontrava em repouso no organismo social, o Poder Constituinte Originário, que se reconhece pertencer ao povo.
BERTRAND DE JOUVENEL (Du Pouvoir – Histoire Naturelle de sa Croissance ), estudando o fenômeno da obediência civil , mostra como o Poder decorre da Força, mas não se pode manter e desenvolver sem a crença do povo em seus governantes ou em seu direito de comandar (legitimidade):