Resumo: Dentre as diversas classificações das obrigações, encontra-se a que as divide em obrigações de dar coisa certa e incerta, sendo que além de regramento específico no Código Civil, também estão sistematizadas na seara processual, merecendo ênfase o texto do artigo 461-A do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei 10.444/02.
Sumário: 1. Introdução. 2. Debitum e Obligatio 3. Das Obrigações de Dar Coisa Certa e Incerta. 4. Do Incumprimento da Obrigação e a Tutela Específica. 5. Conclusões.
Palavras chave: obrigação de dar, fazer e não fazer; incumprimento; tutela específica.
A vontade é verdadeiramente a matéria prima do Direito; e não há outra, nem mais nobre, nem mais misteriosa.
1. Introdução
Nos primórdios da humanidade, os seres humanos tinham por hábito a vida errante e buscavam novas áreas a serem exploradas a cada vez que o local em que estavam fixados mostrava sinais de debilidade.
Num momento posterior, a necessidade de fixarem-se, impôs-lhes o dever de aprenderem a explorar a terra por meio de atividades agro-pastoris, dessarte, inicialmente, apenas consumiam aquilo que produziam ou o que podiam retirar da terra por meio da atividade extrativista.
Ato contínuo, surgiram as primeiras trocas e permutas, e logo após, com o surgimento da moeda, nasce a compra e venda e outras espécies de contratos, negócios jurídicos de importância ímpar para o trafego das relações jurídicas da sociedade atual, fixada, no mais das vezes, nos centros urbanos, especialmente após o advento das Grandes Guerras.
Dessarte, muito embora as relações jurídicas tenham sua gênese com o objetivo precípuo de serem cumpridas, por vezes ocorre que, pelas mais diversas razões, a prestação não pode ser entregue, restando ao credor atuar, por meio da atividade judiciária estatal, visando o adimplemento forçado da obrigação assumida, excepcionadas aqui, as hipóteses de incumprimento involuntário, impossibilitadas por fatos alheios à esfera de atuação do devedor, em razão de caso fortuito, força maior ou demais modalidades de excludentes de causalidade.
2. Debitum e Obligatio
As obrigações, de um modo geral, somente são exigíveis no vencimento, sendo portanto subordinadas, no mais das vezes, a fatores externos caracterizados pela condição, termo ou encargo.
Saliente-se que até o vencimento do termo, advento da condição ou cumprimento do encargo, pode afirmar-se que o devedor não poderá ser compelido ao adimplemento, eis que a eficácia obrigacional permanece suspensa, salvo hipóteses excepcionais como as referentes ao estado de solvência daquele.
Por conseqüência, enquanto regra, quem estiver obrigado à entrega da coisa possui até o vencimento da obrigação o direito de prestar a obrigação, interpretando-se os prazos em seu benefício.
Desta maneira, ao se decompor uma relação jurídica obrigacional, afere-se que o direito creditório tem de um lado, como fim imediato, uma prestação, e de outro, como fim remoto, a sujeição dos bens do devedor ao adimplemento da obrigação assumida
, eis que a proteção jurídica do patrimônio foi o modo encontrado pelo Direito de resguardar a pessoa do seu titular.
Si de la consideración del conjunto social descendemos a la contemplación de la persona individual, no es difícil establecer que la necesaria protección de la persona y la salvaguarda de su dignidad y de su libertad, exigen el reconocimiento de un determinado ámbito de poder económico. La idea del patrimonio aparece así como una derivación necesaria de la idea misma de persona y se concibe como un conjunto unitario de relaciones jurídicas, as las cuales el ordenamiento dota de la necesaria unidad por estar sujetas a un régimen unitario de poder y de responsabilidad. Ato contínuo, há de se destacar que o debitum, ou Schuld como preferem os alemães, caracteriza-se no dever que possui o sujeito passivo da relação jurídica obrigacional em dare, facere ou non facere alguma coisa e que no mais das vezes é executado voluntariamente.
Por sua vez a obligatio ou a Haftung na linguagem tedesca, caracteriza-se pela possibilidade dada pelo sistema ao credor, de fazer funcionar a máquina estatal, a fim de compelir o devedor a cumprir o ajustado por meio da atuação em seu patrimônio ou ainda a indenizar os danos e interesses, já que as sanções corporais em regra não mais existem desde o advento da Lex Poetelia Papiria no século IV a.C.
3. Das Obrigações de Dar Coisa Certa e Incerta
Pothier lecionava há alguns séculos, que aquele que está obrigado a entregar uma coisa, há de observar o ajustado quanto ao tempo e lugar, dessarte, quando o objeto da obrigação é um corpo certo, ao devedor impõe-se cuidado especial na conservação da coisa até que o pagamento seja feito, sob pena de ser compelido a indenizar o credor
; dever este que aliás deriva da cláusula geral da boa-fé insculpida inicialmente no § 242 do BGB germânico.
Mas o que seria coisa certa ?
E por corolário lógico, como se define coisa incerta ?
Saliente-se inicialmente que o Código Civil brasileiro não se preocupou em definir o que seja obrigação de dar, limitando-se a afirmar que em regra os acessórios deverão acompanhá-la, caminho que não foi seguido, por exemplo, pelo Código Civil argentino, que a define, dispondo o artigo 574 que: “la obligación de dar es la que tiene por objeto la entrega de una cosa mueble o inmueble, con el fin de constituir sobre ella derechos reales, o de transferir solamente el uso o la tenencia, o de restituirla a su dueño.”
Há de ser enaltecido que, na tentativa de conceituar as obrigações de dar coisa certa, Arnaldo Rizzardo ensina que “por este tipo de dar, o devedor fica obrigado a entregar ou fornecer ao credor um bem determinado, especificado ou individuado”
, não sendo outra a posição de Álvaro Villaça Azevedo ao afirma que por meio da obrigação de dar coisa certa, atribui-se ao devedor o dever jurídico de entregar ou restituir coisa específica, exata, determinada.
Assim, pode ser afirmado que por essa modalidade de obrigação, o devedor se desonera entregando ou restituindo a coisa especificada, não podendo, em princípio, cumprir a obrigação mediante entrega de outro objeto, ainda que mais valioso, em homenagem ao princípio da especificidade.
Outrossim, paralelamente às obrigações de dar coisa certa, o sistema consagra as obrigações de dar coisa incerta, sendo que estas se caracterizam por uma prestação descrita de modo genérico, cuja escolha ou concentração far-se-á em momento oportuno, normalmente estipulado pelas partes quando da formação do contrato.
A incerteza não significa propriamente uma indeterminação, mas uma determinação genericamente feita. São obrigações de dar coisa incerta: entregar uma tonelada de trigo, um milhão de reais ou cem grosas de lápis.
Nestas situações, a coisa é indicada tão somente pelos caracteres gerais, por seu gênero.
O que a lei pretende dizer ao referir-se à coisa incerta é fazer referência a coisa indeterminada, mas suscetível de oportuna determinação.
Deste modo, no momento oportuno, a parte que se reservou a este direito fará a escolha, e sendo omisso o negócio jurídico ou a sentença, tal faculdade será dada ao devedor.
E na hipótese não remota do direito potestativo de escolha não seja oportunamente desempenhado, reverter-se-á em proveito do outro sujeito da relação jurídica obrigacional.
Como se observa, a concentração do objeto, transforma a coisa genérica em específica, sendo que o obrigado passa a dever somente a coisa determinada em vez de qualquer outra incluída no gênero.
Destaque-se que tal modalidade de obrigação traz consigo vantagens e ônus, especialmente para o devedor, posto que de um lado, ao lhe absorver a responsabilidade pela entrega de uma coisa específica, mitiga as conseqüências pelo perecimento ou deterioração de um bem determinado; dessarte, ao mesmo tempo, aumenta sua responsabilidade quanto aos riscos, vez que gênero não perece
, não lhe cabendo invocar eventual incumprimento fortuito como excludente de responsabilidade.
É da maior simplicidade a teoria dos riscos, na obrigação de dar coisa incerta, já que a indeterminação é incompatível com a deterioração ou o perecimento: genus nuquam perit.
Daí ser vedada ao devedor a alegação de perda ou danificação da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito, seja para eximir-se da prestação, seja para compelir o credor a receber espécimes danificados.
Também descabe a escusativa da impossibilidade da prestação enquanto subsiste a possibilidade de ser encontrado um só exemplar da coisa devida, pois só por exceção desaparecia completamente todo um gênero.
Em hipóteses remotas, outrossim, como relatou Caio Mário da Silva Pereira na passagem transcrita, não se pode esquecer que o gênero poderá desaparecer, sendo que nestes casos deverá observar-se a conduta do devedor, repondo-se a situação ao stato quo ante, caso não haja culpa de sua parte, e condenando-o ao equivalente, acrescido das perdas e danos, quando tenha ele agido culposa ou dolosamente.
Exemplos típicos de tal situação encontram-se na suspensão da produção de determinado bem ou na proibição de importação e comercialização de objeto que até então existia no mercado.
Ademais, a questão em princípio não apresenta maiores dúvidas, eis que feita a escolha do objeto, as regras aplicáveis serão as mesmas para a entrega de coisa certa.
Saliente-se oportunamente que a expressão “gênero” contida no Art. 243 do Código Civil
, bem como em outros dispositivos do mesmo
codex e do Código de Processo Civil, hão de ser interpretadas à luz de sua origem romana, fazendo alusão a um elemento dentre os existentes em um conjunto de iguais, e não sob a orientação das ciências biológicas, enquanto grupo de espécies com características semelhantes.
Destaque-se oportunamente que se encontra em trâmite perante o Congresso Nacional, projeto de lei que busca alterar a redação do artigo citado, alterando-se a expressão gênero por espécie, e de fato observa-se pertinência na alteração terminológica, eis que em verdade, hodiernamente, gênero, no enfoque das ciências em geral, é classificação bem mais ampla que espécie, e como exposto nas justificativas do citado projeto
, nunca seria definido; muito embora possa extrair-se da expressão contida no atual Código Civil, bem como no sistema anterior a idéia de prestação genérica.
4. Do Incumprimento da Obrigação e a Tutela Específica
Na hipótese de adimplemento voluntário, pouca é a importância da classificação acima esposada, vez que não há de observar-se a denominada crise no incumprimento da obrigação.
Dessarte, a celeuma surge quando do descumprimento da obligatio, indagando-se desde logo, se há ou não possibilidade de execução forçada visando a entrega da coisa devida, ante a inexistência, em muitas hipóteses, de direito real a ser atribuído ao credor, vez que neste caso, a resposta certamente será positiva, permitindo-se até mesmo que a coisa seja retirada da esfera de domínio de terceiros.
Assim, por exemplo, pelo contrato de compra e venda, relativo a coisa certa, o vendedor não transfere desde logo o domínio; obriga-se apenas a transmiti-lo.
Em tais condições, se o alienante não torna efetiva a obrigação assumida, deixando de entregar a res certa avençada, não pode o adquirente requerer-lhe a reivindicação.
Falta-lhe o domínio, e sem esse requisito substancial não pode vingar a ação para a entrega da coisa vendida.
Assiste-lhe tão somente, direito de mover ação de indenização, a fim de ser ressarcido dos prejuízos que sofreu com a inexecução da obrigação.
No mesmo sentido destaque-se que a primeira impressão, obtida mediante processo de exegese exclusivamente literal, levaria a compactuar com tal solução, ante o teor do artigo 1056 do Código Civil de 1916, cuja essência manteve-se com a redação do artigo 389
do atual diploma civil. Outrossim, com o passar do tempo as correntes negativistas sofreram acentuado abalo.
Quando a execução é feita para satisfazer obrigação de entregar coisas devidas, em espécie ou genéricas, mas diferentes do dinheiro [...] o problema se resolve procurando a coisa devida no patrimônio do executado: se a coisa é encontrada, deve-se apreendê-la e entregá-la ao exeqüente; em caso contrário, este meio executivo se torna de realização impossível e em seu lugar proceder-se-á à execução pela obrigação subsidiária que terá por objeto o valor da coisa e as perdas e danos, representados todos por quantia em dinheiro.
Hodiernamente não se questiona que o melhor raciocínio que possa ser extraído do sistema, leva a crer que a execução
in natura só deverá ser substituída pelo equivalente pecuniário quando restar impossível seu adimplemento
ou seja, entre outras hipóteses, ter-se-á a obrigação de entregar o equivalente quando houver o perecimento culposo da coisa, ou ainda, no caso de alienação do bem à terceiro, desde que este esteja de boa-fé, a ser aferida no plano subjetivo.
Quando a coisa devida seja uma coisa certa, e o devedor condenado por sentença a dar a coisa a tenha e seu poder, mediante o requerimento do credor o juiz deve permitir-lhe que se apodere da mencionada coisa e tome posse dela, e nesse caso, não basta que o devedor ofereça o pagamento por perdas e danos que resultem do não cumprimento de sua obrigação.
Noutro prisma, defende-se que o portador de título executivo dotado da devida liquidez e certeza poderá, obedecendo ao comando insculpido nos artigos 621
e seguintes do Código de Processo Civil, executar judicialmente a prestação, compelindo o devedor ao pagamento, sendo lícito ao juiz, cominar
astreintes no próprio mandado citatório que faculta ao devedor o adimplemento da obrigação, mediante a entrega do objeto
, ou o depósito da coisa, caso pretenda opor embargos
; nesta hipótese não podendo levantar o objeto depositado até julgamento final dos embargos
.
Saliente-se ainda que no processo executivo, em caso de inércia do devedor, o juiz está autorizado
a emitir mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme a natureza do objeto; mesmo que a coisa esteja em poder de terceiro
, sendo certo ainda que caso o bem tenha perecido ou validamente alienado e por conseqüência a prestação não possa ser adimplida
in natura far-se-á a conversão da obrigação em perdas e danos.
Qualquer execução específica pressupõe que a prestação a realizar coactivamente é ainda possível, não se tendo, conseqüentemente, extinto a obrigação respectiva. Assim sendo, o Estado vai efectuar, à custa do devedor inadimplente e pelo prisma da responsabilidade patrimonial, a própria prestação em falta. Já na execução para a entrega de coisa incerta, superada a critica da expressão gênero que há de ser lida como espécie, interpretação esta iluminada pelas ciências naturais, deve analisar-se inicialmente a quem cabe a escolha
e não constando do título que esta pertence ao credor, como já frisado, a norma prevê que tal direito potestativo será atribuído ao devedor, sendo que em um ou outro caso o juiz intimará a parte adversa para que impugne a eleição
e se não dispuser de meios para solucionar o conflito, deverá nomear perito. A impugnação poderá versar, em princípio, acerca da inobservância da impossibilidade de escolha do pior elemento do conjunto, se realizada a escolha pelo devedor e do melhor, caso o ônus seja do credor ou ainda alegar que a coisa não é objeto da obrigação.
Superada eventual crise na concentração, as regras a serem aplicadas são as mesmas que regem a entrega de coisa certa
raciocínio que não necessita maior análise ante sua clareza. Por sua vez, a jurisprudência pátria não destoa do entendimento doutrinário majoritário que concorda com a possibilidade de concessão de tutela específica, merecendo destaque acórdão relatado pelo Desembargador Sérgio Cavalieri Filho:
Obrigação de fazer [sic]. Tutela específica. Direito impostergável do consorciado de receber o veículo uma vez pago o preço. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer [sic], o juiz concederá a tutela específica da obrigação, determinando as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Assim, pago o valor do bem, é direito impostergável do consorciado de receber o veículo. A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de resultado prático correspondente. Reforma da sentença.
Há de considerar-se por outro lado, que muitas vezes o credor não dispõe de título executivo, e na medida em que o que se espera do sistema é que o processo sirva de instrumento que atue substituindo a vontade do devedor visando entregar ao credor tudo aquilo e tão somente aquilo que lhe é de direito
, resta "evidente que a tutela que confere ao autor o bem em si, ao invés [sic] do seu equivalente em pecúnia, deve merecer prioridade".
Buscando, então, uma maior eficácia do sistema, o legislador insere em maio de 2002, por meio da Lei 10.444, o artigo 461-A
no texto do diploma processual civil, dispositivo este que compactua com a idéia do processo civil de resultados.
A tarefa principal do ordenamento jurídico é estabelecer uma tutela de direitos eficaz, no sentido de não apenas assegurá-los, mas também garantir sua satisfação.
O ordenamento será efetivo quando, vigente a lei, seja ela espontaneamente acatada pelo destinatário, por encontrar correspondência na realidade social; ou quando a atuação se dá coercitivamente, através [sic] de medidas que substituem a atuação espontânea.
Importante inovação está na possibilidade dada ao magistrado de não cumprida a obrigação pelo devedor no prazo fixado determinar a busca e apreensão da coisa nos casos de bens móveis ou a imissão na posse, quando a prestação em litígio for bem imóvel.
Observa-se que com o novo texto, não só o portador de título executivo extrajudicial poderá utilizar o aparato judiciário, seguindo o rito previsto pelo artigo 621 e seguintes do Código de Processo Civil, mas também todo aquele que fizer jus a receber coisa certa, na medida em que será lícita eventual concessão antecipada dos efeitos da tutela jurisdicional postulada e sua execução dentro dos mesmos autos.
Questiona-se neste momento se seria cabível, neste último caso, o ajuizamento de embargos pelo devedor, na medida em que não se pode falar em processo de execução propriamente dito, sendo que aparentemente a solução mais coerente parece ser a que conduz a eventual defesa exclusivamente dentro dos próprios autos, em regra por meio de agravo de instrumento.
Analisando o Art. 461 do Código de Processo Civil, cuja aplicação dos parágrafos se estende às obrigações de dar coisa certa, leciona Kazuo Watanabe que este incorpora em si decisões de natureza mandamental e executiva
lato sensu ou mesmo as duas ao mesmo tempo, na medida em que por meio de provimento mandamental impõe-se uma ordem ao demandado sob pena de imposição de medidas coercitivas, sem prejuízo da execução específica e cujos atos executórios serão praticados dentro do mesmo processo, sem necessidade de execução autônoma
; já que a sanção mandamental, sozinha, não se encontra apta à realização do direito e por isso é denominada indireta.
No mesmo sentido discorre Eduardo Talamini para quem fora eliminado “o binômio condenação-execução”, devendo o juiz determinar a prática de todos os atos destinados à satisfação do direito dentro do mesmo processo
.
Tal procedimento elimina, em princípio, a possibilidade de defesa por meio de embargos, sendo que neste sentido merece destaque ainda expressa previsão da possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, mais uma vez negada a defesa tradicional por meio da via autônoma.
Destaque-se que há divergências quanto ao entendimento defendido, posto que existe quem sustente que “havendo compatibilidade e não se fazendo presente qualquer risco de ineficácia, a sentença terá natureza condenatória, sujeita, portanto, à execução
ex intervallo e em ação autônoma.”
Não bastasse a simplificação da ritualística, o novo texto autoriza a adoção de medidas que visem forçar o devedor a adimplir sua obrigação, não se limitando ao clássico procedimento sub-rogatório adotado pelo processo executivo, vez que “cabe à técnica processual excogitar medidas substitutivas capazes de, prescindindo da vontade do obrigado, produzir a mesma situação jurídica final que ao credor era lícito esperar deste.”
Tem-se por exemplo que:
a intervenção judicial é medida atípica que também pode vir a ser adotada com base no art. 461, § 5º. Pense-se em casos em que o bem imóvel está ocupado por uma estrutura organizacional do réu com amplitude e complexidade tais que não é possível sua simples entrega imediata: é preciso retirar equipamentos de difícil desmonte e remoção ou matérias-primas que envolvem riscos, remanejar pessoal que trabalha nessas instalações etc. Em tais casos o prazo para entrega voluntária do bem precisará obviamente ser amplo. No entanto, há o risco de que o réu se aproveite disso para apenas ganhar tempo, não cumprindo o mandado de entrega. Em um caso como esse, seria razoável que o juiz incumbisse alguém de fiscalizar a atuação do réu, atribuindo à tal
longa manus seus poderes suficientes para que pudesse verificar se o réu está efetivamente adotando medidas para a desocupação do imóvel. Não é de descartar que, uma vez constatado que o réu não está tomando tais providências, o juiz nomeie um interventor apto a diretamente interferir na administração da estrutura interna do réu de modo a que a ocupação ocorra.
A possibilidade de cominação de astreintes, como previsto no Art. 461, § 4º do Código de Processo Civil é de grande valia, como na hipótese de obrigação de fazer impura, que traz consigo o dever de entregar ou ainda para compelir a parte a cumprir os deveres laterais ou acessórios ao contrato, como o ato de indicar a localização do bem que deva ser entregue.
Questiona-se aqui o que ocorrerá no caso do valor da multa ultrapassar o valor da prestação, posto que o sistema repudia o enriquecimento sem causa ?
Haveria o dever de entregar a coisa e ainda o de pagar a pena pecuniária ou converter-se-ia a obrigação automaticamente em perdas e danos à luz do artigo 389 do Código Civil.
Parece que mais razoável será pensar que o valor das
astreintes seja visto num prisma autônomo, sob pena de descaracterizá-las, sendo por conseqüência a prestação ou o equivalente e as perdas e danos devidos com o acréscimo da multa
, posto que “a pena pecuniária não é forma de reparar o prejuízo do credor, de sorte que não representa as perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação”
, devendo considerar-se que “os meios de pressão psicológica são particularmente eficientes e capazes de proporcionar ao credor mais rapidamente a satisfação de seu direito, mediante a retirada da resistência do obrigado.
La condena no se calcula por el daño causado al acreedor por el retraso; no tiene carácter de indemnización. En general, será mucho mayor que el daño causado. Luego, jurídicamente, las constricciones no son daños y perjuicios, aun cuando en su mayoría las sentencias emplean esos términos [...] La condena tiene un carácter conminatorio. Es esencialmente una amenaza y no se incurre en ella sino cuando el deudor persiste en su negativa de cumplir. Indaga-se ainda se o limite da sanção prevista no Art. 412 do Código Civil
poderia ser utilizada como parâmetro a limitar o valor da multa cominatória autorizada pelo sistema, sendo que aparentemente, em razão dos distintos fundamentos que informam os institutos da cláusula penal e das
astreintes, não poderia aquela ser invocada como parâmetro para a limitação desta.
Destaque-se oportunamente que o valor pactuado a título de cláusula penal tem como fundamento precípuo a liquidação a forfait, ou seja, a quantificação antecipada dos danos para a hipótese de inadimplemento, enquanto o quantum fixado em sede de multa cominatória tem por escopo, pela via indireta, coagir o devedor ao adimplemento.
5. Conclusões
Resta, enfim, a conclusão, para que, tal qual um bandeirante, tendo encontrado o caminho das esmeraldas, mapeie as referências necessárias para que outros consigam seguir-lhe os passos seguros.
Deste modo, conclui-se que:
As obrigações são divididas em débito e responsabilidade, sendo que o primeiro consiste no dever imposto ao devedor de honrar seu compromisso jurídico e a segunda a possibilidade conferida pelo sistema de garantir o pagamento por meio da invasão de seu patrimônio. E ainda, merece consideração a divisão das obrigações em de dar coisa certa e incerta, sendo que estas últimas caracterizam-se pela possibilidade de escolha de um ou mais bens dentre um conjunto de coisas semelhantes. Aliás, a expressão gênero há de ser lida deste modo e não à luz do seu conceito fixado pelas ciências naturais.
Uma vez feita a concentração, ou sendo o caso de obrigação de dar coisa certa, o devedor pode ser compelido à entrega da mesma, em espécie, e apenas excepcionalmente dever-se-á realizar a conversão em pecúnia.
A natureza jurídica da decisão que concede a tutela específica é executiva lato sensu e os atos que impõe sanção na hipótese de não cumprimento da ordem judicial possuem natureza mandamental.
O juiz está autorizado a tomar todas as medidas quem entenda necessárias para o fiel desempenho da obrigação, vez que não mais se aceita um processo civil que não propicie a parte tudo aquilo que ela tem direito.
Entre as medidas possíveis, está a cominação de multa diária, visando constranger o devedor ao pagamento, sendo que esta não se limita a valor da prestação, dela se distinguindo ante sua natureza coercitiva.
Referências
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. São Paulo: Saraiva, 1997.
Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.