sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A objetivação do controle difuso de constitucionalidade

·         Por : Filipo Bruno Silva Amorim: Procurador Federal na Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região como Coordenador de Matéria Administrativa. Graduado pela UFRN. Pós-graduado em Direito Constitucional pela UNISUL-IDP-LFG. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo CEUB.

. Introdução do tema:
Ao passo da nossa evolução constitucional, sob uma perspectiva eminentemente histórica, o controle de constitucionalidade das leis cambiou entre a completa inexistência (p. ex. Constituição de 1824), passando pela hegemonia do modelo americano do controle difuso (p. ex. Constituições de 1891 e 1934) e pela introdução, ainda que tímida, do modelo austríaco do controle concentrado (p. ex. Constituições de 1946, 1967 e EC nº 1 de 1969), até se chegar à Constituição Republicada de 1988, onde o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade pôde, de fato, dizer-se ambivalente.
Foi com a Constituição cidadã, na denominação conferida à Lei Fundamental de 1988 pelo Deputado Federal Ulisses Guimarães, que, muito embora mantido modelo misto (concreto e abstrato) de controle da constitucionalidade, o dito controle abstrato/concentrado ganhou força, superando definitivamente o controle concreto/difuso, antes dominante.
Tal fenômeno se deve (em breve resumo) principalmente à considerável ampliação dos legitimados ativos à propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 103, CF/88); à criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade por meio da Emenda Constitucional nº 3/1993 (art. 102, I, "a", CF/88); da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art. 103, § 2º, CF/88); bem como, e por fim, através do desenvolvimento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102, § 1º, introduzido na CF/88 pela Emenda Constitucional nº 3/1993) que preencheu as lacunas existentes no modelo concentrado, permitindo a análise direta pelo Supremo Tribunal Federal de questões que antes somente poderiam ser discutidas por meio de Recursos Extraordinários: como a inconstitucionalidade de normas pré-constitucionais, controvérsia constitucional sobre normas já revogadas e a inconstitucionalidade de norma municipal em face da Constituição Federal.
Assim, fácil observar que o controle concentrado, antes de iniciativa exclusiva do Procurador-Geral da República e restrito à declaração de inconstitucionalidade de normas estaduais e federais vigentes ao momento da propositura da demanda, foi enormemente ampliado com o advento da atual Lei Fundamental, alterada pelas Emendas Constitucionais nº 3/1993 e nº 45/2004.
Hodiernamente, pode-se dizer, o controle de constitucionalidade "trivial" é o controle concentrado ou abstrato, de competência da nossa Corte Constitucional – que acumula também a função de última instância recursal do nosso país –, de caráter objetivo e que, por isso, possui eficácia erga omnes e efeito vinculante, sem a necessidade de suspensão da eficácia da norma pelo Senado, como dispõe o art. 52, X, da CF/88.
Neste diapasão de profunda primazia do controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADIo, ADC e ADPF) em relação ao controle difuso (Recurso Extraordinário) é que surgiu a tendência, hoje em fase de consolidação no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da objetivação deste último, cambiando o seu caráter originário de ação (recurso) meramente subjetiva, para assumir a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Sobre o tema, convém lembrar a lição do Professor e Ministro Gilmar Ferreira Mendes, extraída do processo administrativo nº 318.751/STF, que culminou na edição da Emenda nº 12 (DJ de 17-12-2003) ao Regimento Interno do STF, verbis:


O recurso extraordinário "deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (verfassungsbeschwerde).
(...)

A função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos." [01]
Tal fenômeno, registre-se por oportuno, foi precedido por diversas causas – alterações legislativas –, dentre as quais se destaca o advento da Emenda Constitucional nº 45 que introduziu em nosso sistema as figuras da:

a) Art. 102, §3º: repercussão geral para admissão dos Recursos Extraordinários; e
b) Art. 103-A: súmula vinculante.

Contudo, anteriormente à referida EC nº 45/2004 operaram-se alterações legislativas que contribuíram de modo relevante com a mencionada tendência à objetivação dos RREE, como são exemplos as alterações nos artigos 475, § 3º, 481, parágrafo único e 557, §1º-A, todos do Código de Processo Civil, operadas pelas Leis nº 9.756/98 e nº 10.352/01, que em última análise conferem efeito vinculante às decisões do STF, mesmo que proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade, senão vejamos (grifos nossos):

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
(...)

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

Art. 481. omissis
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998)

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).

É mister situar topograficamente o leitor dentro do Código de Processo Civil, para uma melhor compreensão do que se está a falar: o art. 475 está encartado no Livro I – Do Processo de Conhecimento, Título VIII – Do Procedimento Ordinário, Capítulo VIII – Da Sentença e da Coisa Julgada, Seção II – Da Coisa Julgada. Nessa Seção, o Código de Ritos normatiza a eficácia preclusiva máxima, que torna imutável e indiscutível uma sentença, a chamada coisa julgada.

Neste diapasão, informa o art. 475 que determinadas decisões não necessitam do impulso das partes para que sejam revistas pelo Tribunal ad quem. É o que se convencionou chamar de duplo grau de jurisdição obrigatório, ou remessa necessária.

Não se deve entender tal instituto como sendo mais um recurso. Absolutamente. O duplo grau obrigatório ou remessa necessária nada mais é do que uma condição suspensiva de eficácia da sentença, que só poderá operar seus efeitos após a apreciação da questão pelo Tribunal.

Tal instituto é próprio das decisões proferidas em desfavor da Fazenda Pública, e tem o claro objetivo de preservar o Erário, conferindo-lhe uma instância revisora obrigatória, de modo a garantir maior segurança quando da execução dos efeitos da sentença contra o Estado, ainda que o ente federativo, ou suas autarquias e fundações, se quedem inertes diante da decisão que lhes seja desfavorável. Nesses casos, em suma, há uma vedação legal ao trânsito em julgado da decisão em primeiro grau de jurisdição.

Todavia, tal condição suspensiva não opera efeitos quando a referida sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou súmula dessa Corte. Vê-se, portanto, que mesmo antes do ingresso da súmula vinculante no nosso Ordenamento Jurídico, as decisões plenárias do Supremo Tribunal Federal detinham, ainda que de forma mitigada, o poder de vincular as inferiores instâncias, uma vez que uma sentença proferida em consonância com o entendimento do STF, proclamado em plenário, não necessitaria ser submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório, podendo surtir desde já seus efeitos, caso a Administração não manejasse o competente recurso de apelação.

O art. 481, por sua vez, encontra-se inserido no Livro I – Do Processo de Conhecimento, Título IX – Do Processo nos Tribunais, Capítulo II – Da declaração de Inconstitucionalidade. Nesse Capítulo o Código de Ritos descreve o procedimento que deve pautar a declaração de inconstitucionalidade das normas nos Tribunais Pátrios. Dispõe que a turma ou a câmara, caso acolha a declaração de inconstitucionalidade incidentalmente aduzida nos autos – o incidente de inconstitucionalidade pode ser suscitado por qualquer membro do órgão fracionário –, deverá suspender o julgamento da demanda e submetê-la ao Plenário ou Órgão Especial do respectivo Tribunal, para análise exclusiva da inconstitucionalidade ou não da norma indigitada.

Tal dispositivo se alicerça no art. 97 da Constituição, que normatiza: "Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público."

Assim, no que pertine à alteração legislativo operada no art. 481, parágrafo único acima transcrito, vê-se que os órgãos fracionários dos Tribunais não mais deverão submeter a questão acerca da inconstitucionalidade de determinada norma ao Plenário ou Órgão Especial da respectiva Corte, caso o Plenário do Supremo Tribunal Federal já tenha se pronunciado sobre do tema.

Tanto Theotônio Negrão e José Roberto F. Golvêa [02] quanto Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery [03] vêem nesse dispositivo, processualmente falando, uma clara medida de economia processual.
Neste sentido, é de se firmar que tal posicionamento/entendimento, normatizado pelo legislador reformador do Código de Processo Civil, já era adotado, ainda que por maioria, no STF mesmo antes da edição da Lei nº 9.756/98, como se vê pelo trecho do volto do Min. Ilmar Galvão abaixo reproduzido (grifos nossos):
De acordo com o art. 97 da Constituição Federal, "somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público."
A razão de ser da norma, di-lo MARCLEO CAETANO, no trecho que se acha transcrito no voto do eminente Relator:
"a exigência de maioria qualificada para a declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo justifica-se pela preocupação de só permitir ao Poder Judiciário tal declaração quando o vício seja manifesto e, portanto, salte aos olhos de um grande número de julgadores experientes caso o órgão seja colegiado. Sendo atingida a majestade da lei a qual, em princípio, se beneficia da presunção de estar de acordo com a Constituição, é necessário que o julgamento resulte de um consenso apreciável e não brote de qualquer escassa maioria (...).

Essa exigência, por outro lado, acautela contra uma futura variação de jurisprudência no mesmo Tribunal."
Sendo assim é fora de dúvida que, declarada a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei, pela maioria absoluta dos membros de certo Tribunal, soaria como verdadeiro despropósito, notadamente nos tempos atuais, quando se verifica, de maneira inusitada, a repetência desmesurada de causas versantes da mesma questão jurídica, vinculadas à interpretação da mesma norma, que, se exigisse, em cada recurso apreciado, a renovação da instância incidental da argüição de inconstitucionalidade, levando as sessões da Corte a uma monótona e interminável repetição de julgados da mesma natureza.

A prática, na verdade, se adotada, ainda teria a grave conseqüência de expor o Tribunal, sempre sujeito à variabilidade episódica ou definitiva de sua composição, a eventuais pronunciamentos contraditórios sobre a mesma lei, o que seria comprometedor para a segurança jurídica e desastroso para a imagem da Justiça.
Por isso mesmo é que jamais se teve por violador da norma do art. 97 da Constituição o fato de uma Turma invocar, no julgamento de uma apelação, a decisão tomada pela Corte em incidente de argüição de inconstitucionalidade processado em recurso análogo, dispensando-se, por essa forma, de suscitar novo incidente de inconstitucionalidade.

A difusão pacífica dessa rotina constitui demonstração de que a norma sob exame não deve ser interpretada de modo literal, não se podendo perder de vista, ao revés, que sendo ela corolário do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, visa primordialmente a evitar que seja ele afetado por decisões que não traduzam a convicção do Tribunal, formada pela maioria expressiva de seus membros.
Se assim ocorre relativamente à declaração de inconstitucionalidade emanada do próprio Tribunal de origem, por maior razão não se poderá vislumbrar violação ao referido art. 97 da CF no fato de o órgão fracionário tomar, para suporte direto de seu julgamento, acórdão do Supremo Tribunal Federal que, apreciando recurso contra decisão plenária da Corte recorrida, em incidente de argüição de inconstitucionalidade, houver reformado esta.

Essa nova e salutar rotina que, aos poucos vai tomando corpo – de par com aquela anteriormente assinalada, fundamentada na esteira da orientação consagrada no art. 101 do RI/STF, onde está prescrito que "a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciada por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou a Plenário" – além de, por igual, não merecer a censura perfeita de ser afrontosa ao princípio insculpido no art. 97, da CF, está em perfeita consonância não apenas com o princípio da economia processual, mas também com o da segurança jurídica, merecendo, por isso, todo encômio, como procedimento que vem ao encontro da tão desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira.

Tudo, portanto, está a indicar que se está diante de norma que não deve ser apreciada com rigor literal, mas, ao revés, tendo-se em mira a finalidade objetivada, o que permite a elasticidade do seu ajustamento às variações da realidade circunstancial [04].

Observe-se a Ementa do julgado acima transcrito:
EMENTA: ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACÓRDÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO QUE, INVOCANDO DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MODIFICATIVA DE PRECEDENTE DO PLENÁRIO DA CORTE DE ORIGEM SOBRE A MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM CAUSA, JULGOU DE LOGO A APELAÇÃO, SEM RENOVAR A INSTÂNCIA INCIDENTAL DA ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.

Procedimento que, na esteira da orientação estabelecida no art. 101 do RI/STF, não pode ser tido por ofensivo ao art. 97 da Constituição Federal, posto que, além de prestigiar o princípio da presunção da constitucionalidade das leis, nele consagrado, está em perfeita harmonia, não apenas com o princípio da economia processual, mas também com o da segurança jurídica, concorrendo, ademais, para a racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira.
Recurso não conhecido.

Tal entendimento não discrepa do posicionamento também firmado pela Segunda Turma do STF, no julgamento do AgRg 168.149, da Relatoria do Min. Marco Aurélio, cuja ementa foi assim lavrada (grifos nossos):

INCONSTITUCIONALIDADE – INCIDENTE – DESLOCAMENTO DO PROCESSO PARA O ÓRGÃO ESPECIAL OU PARA O PLENO – DESNECESSIDADE. Versando a controvérsia sobre ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República – o Supremo Tribunal Federal – descabe o deslocamento previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito está na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo. [05]

Contudo, não se pode resumir referida alteração tão-somente como sendo uma medida de economia processual, embora também o seja.

Com efeito, a nova redação do art. 481, parágrafo único denota um movimento, de certo modo já consolidado, na busca pela objetivação do controle de constitucionalidade difuso ou incidental.

Ora, se uma decisão plenária do Supremo Tribunal Federal acerca da (in)constitucionalidade de determinada lei, em sede de Recurso Extraordinário, é apta a vincular as decisões dos demais Tribunais Pátrios a ponto de tornar desnecessário o encaminhamento da questão ao seu respectivo Plenário ou Órgão Especial, sem que isso implique em ofensa ao art. 97 da atual Constituição, não se pode chegar a conclusão diversa daquela que aponta para a consubstanciação de caráter objetivo a processo anteriormente meramente subjetivo.

Por fim, o art. 557, § 1º-A situa-se no mesmo Livro I – Do Processo de Conhecimento, mas no Título X – Dos Recursos, Capítulo VII – Da Ordem dos Processos no Tribunal do Código de Ritos. Este dispositivo, tal qual a norma anteriormente analisada, confere efeito vinculante às decisões plenárias ou súmulas do Supremo Tribunal Federal, ainda que não tratem de declaração de inconstitucionalidade. Assim, ampliam-se os limites do art. 481, parágrafo único, anteriormente comentado. Neste sentido, mister reproduzir-se lição dos Professores Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco [06], verbis:

No que se refere aos recursos especial e extraordinário, a Lei n. 8.038, de 1990, havia concedido ao relator a faculdade de negar seguimento a recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou prejudicado, ou, ainda, que contrariasse súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. O Código de Processo Civil, por sua vez, em caráter ampliativo, incorporou disposição que autoriza o relator a dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior (art. 557, § 1º-A, acrescentado pela Lei n. 9.756/98).

Tem-se, pois, que, com o advento dessa nova fórmula, passou-se a admitir não só a negativa de seguimento de recurso extraordinário, nas hipóteses referidas, mas também o provimento do aludido recurso nos casos de manifesto confronto com a jurisprudência do Supremo Tribunal, mediante decisão unipessoal do relator. Também aqui parece evidente que o legislador entendeu possível estender de forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal, tanto nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade incidental de determinada lei federal, estadual ou municipal – hipótese que estaria submetida à intervenção do Senado –, quanto aos casos de fixação de uma dada interpretação constitucional pelo Tribunal.

Ainda que a questão pudesse comportar outras leituras, é certo que o legislador ordinário, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, considerou legítima a atribuição de efeitos ampliados à decisão proferida pelo Tribunal, até mesmo em sede de controle de constitucionalidade incidental. Nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem estendido, com base no art. 557, caput, e § 1º-A, do Código de Processo Civil, a decisão do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações idênticas, oriundas de municípios diversos. Em suma, tem-se considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a submissão da questão ao Plenário." [07]

Destarte, incontestável a mudança de padrão que vem sofrendo o controle de constitucionalidade em sede de Recurso Extraordinário, eis que passa a externar características próprias e particulares do controle concentrado/abstrato.

Registre-se, por oportuno, que dita objetivação não se restringe aos RREE, absolutamente. Ao contrário, alcança todos os remédios jurídicos aptos a, concreta e incidentalmente, declarar a inconstitucionalidade de determinada norma.

Nesta esteira, importante precedente se encontra no julgamento do habeas corpus 82.959-7/SP [08], que tratou da questão da progressão de regime nos casos de presos condenados por cometimento de crimes hediondos, na forma da Lei 8.072/90. Sua ementa foi assim redigida:

PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convivo social.

PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

No caso em tela, o efeito vinculante e a eficácia erga omnes do julgamento do STF foram postos em dúvida por ato do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, Estado do Acre, que fez afixar no átrio do fórum a seguinte decisão:

Comunico aos senhores reeducandos, familiares, advogados e comunidade em geral que a recente decisão Plenária do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos do ‘Habeas Corpus’ n. 82.959, a qual declarou a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que vedava a progressão de regime prisional (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90), somente terá eficácia a favor de todos os condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados que estejam cumprindo pena, a partir da expedição, pelo Senado Federal, de Resolução suspendendo a eficácia do dispositivo de lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, Constituição Federal.

Contra essa decisão (aviso afixado nas dependências do Fórum) a Defensoria Pública da União ajuizou Reclamação, que recebeu o nº 4.335, ante o descumprimento do acórdão do Supremo Tribunal Federal proferido no habeas corpus acima referido. Tal medida ainda se encontra pendente de julgamento, todavia alguns votos já foram proferidos, consoante se observa dos Informativos do Supremo Tribunal Federal nº 454, de 1º e 2 de fevereiro de 2007 e nº 463 [09], de 25 desse mesmo ano, in verbis (grifos nossos):

Informativo nº 454:

O Tribunal iniciou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgou procedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deva ser preservada. No ponto, afirmou, inicialmente, que a jurisprudência do STF evoluiu relativamente à utilização da reclamação em sede de controle concentrado de normas, tendo concluído pelo cabimento da reclamação para todos os que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às suas teses, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. Em seguida, entendeu ser necessário, para análise do tema, verificar se o instrumento da reclamação fora usado de acordo com sua destinação constitucional: garantir a autoridade das decisões do STF; e, depois, superada essa questão, examinar o argumento do juízo reclamado no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão no HC 82959/SP dependeria da expedição da resolução do Senado suspendendo a execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade.

Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.

Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. Após, pediu vista o Min. Eros Grau.

Informativo nº 463:

O Tribunal retomou julgamento de reclamação ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, pelas quais indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado em decorrência da prática de crimes hediondos. Alega-se, na espécie, ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), em que declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos - v. Informativo 454. O Min. Eros Grau, em voto-vista, julgou procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para suspender a execução da lei.

Em divergência, o Min. Sepúlveda Pertence julgou improcedente a reclamação, mas concedeu habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão. Reportando-se aos fundamentos de seu voto no RE 191896/PR (DJU de 29.8.97), em que se declarou dispensável a reserva de plenário nos outros tribunais quando já houvesse declaração de inconstitucionalidade de determinada norma legal pelo Supremo, ainda que na via do controle incidente, asseverou que não se poderia, a partir daí, reduzir-se o papel do Senado, que quase todos os textos constitucionais subseqüentes a 1934 mantiveram. Ressaltou ser evidente que a convivência paralela, desde a EC 16/65, dos dois sistemas de controle tem levado a uma prevalência do controle concentrado, e que o mecanismo, no controle difuso, de outorga ao Senado da competência para a suspensão da execução da lei tem se tornado cada vez mais obsoleto, mas afirmou que combatê-lo, por meio do que chamou de "projeto de decreto de mutação constitucional", já não seria mais necessário. Aduziu, no ponto, que a EC 45/2004 dotou o Supremo de um poder que, praticamente, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante (CF, art. 103-A).

Por sua vez, o Min. Joaquim Barbosa não conheceu da reclamação, mas conheceu do pedido como habeas corpus e também o concedeu de ofício. Considerou que, apesar das razões expostas pelo relator, a suspensão da execução da lei pelo Senado não representaria obstáculo à ampla efetividade das decisões do Supremo, mas complemento. Aduziu, de início, que as próprias circunstâncias do caso seriam esclarecedoras, pois o que suscitaria o interesse da reclamante não seria a omissão do Senado em dar ampla eficácia à decisão do STF, mas a insistência de um juiz em divergir da orientação da Corte enquanto não suspenso o ato pelo Senado. Em razão disso, afirmou que resolveria a questão o habeas corpus concedido liminarmente pelo relator. Afirmou, também, na linha do que exposto pelo Min. Sepúlveda Pertence, a possibilidade de edição de súmula vinculante. Dessa forma, haveria de ser mantida a leitura tradicional do art. 52, X, da CF, que trata de uma autorização ao Senado de determinar a suspensão de execução do dispositivo tido por inconstitucional e não de uma faculdade de cercear a autoridade do STF. Afastou, ainda, a ocorrência da alegada mutação constitucional. Asseverou que, com a proposta do relator, ocorreria, pela via interpretativa, tão-somente a mudança no sentido da norma constitucional em questão, e, que, ainda que se aceitasse a tese da mutação, seriam necessários dois fatores adicionais não presentes: o decurso de um espaço de tempo maior para verificação da mutação e o conseqüente e definitivo desuso do dispositivo. Por fim, enfatizou que essa proposta, além de estar impedida pela literalidade do art. 52, X, da CF, iria na contramão das conhecidas regras de auto-restrição. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.

Vê-se, portanto, que muito embora hajam divergido quanto à natureza do art. 52, X da Constituição, os quatro Ministros que já se pronunciaram a respeito da matéria ou julgaram procedente a Reclamação, ou concederam de ofício a ordem de habeas corpus, demonstrando insofismavelmente que decisões tomadas pelo Plenário do STF, ao analisar abstratamente uma questão de controle de constitucionalidade, ainda que em um processo eminentemente subjetivo, como é o habeas corpus, vinculam as inferiores instâncias, de modo que, mesmo que não haja ocorrido a suspensão da norma pelo Senado, a referida decisão ultrapassará os limites subjetivos da causa, para alcançar a todos os que estejam em situação idêntica.

Aponte-se que o entendimento dos Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa mantém os precedentes da Corte quanto à desnecessidade da observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição), quando o Supremo Tribunal Federal já houver se pronunciado sobre o tema da (in)constitucionalidade da matéria em plenário. Orientação esta que, como dito, foi seguida pela Lei nº 9.756/98, que acrescentou o parágrafo único ao art. 481, do Código de Processo Civil.
Feitos esses registros, impende tecer alguns comentários no que concerne à Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004.

2. Emenda Constitucional nº 45/2004:

O constituinte reformado, por meio da EC nº 45/04, conformou a nossa Lei Fundamental à tendência da objetivação do controle difuso de constitucionalidade.
Conforme breve menção feita anteriormente, foram introduzidos no ordenamento constitucional pátrio os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, os quais põe uma pá de cal nos argumentos dos que ainda resistem em aceitar a objetivação do controle de constitucionalidade em sede de ações que brotaram de anseios individuais, portanto com gênese eminentemente intersubjetiva.
Roga-se vênia para transcrever ambos os dispositivos introduzidos à Lei Fundamental pela reforma mencionada acima:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
(...)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Passemos às suas análises individualizadas.
2.1 Da repercussão geral:
O que vem a ser, então, a repercussão geral?
O Supremo Tribunal Federal detém a competência de, por meio do Recurso Extraordinário, verificar eventual ofensa à Constituição em decorrência de decisão judicial proferia em última ou única instância (art. 102, III, a a d, Constituição). Tal recurso foi introduzido no nosso Ordenamento Jurídico Constitucional na Constituição de 1891, que em seu art. 59, § 1º, b dispunha:
Art. 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
I - processar e julgar originária e privativamente:
(...)
§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela;
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas. (grifos nossos)
De lá para cá, o Supremo Tribunal Federal viu crescer espantosamente o número de Recursos Extraordinários interpostos ano a ano, mormente após a redemocratização operada com a Constituição de 1988. A título meramente ilustrativo informe-se que em 1980 o número de RREE protocolizados junto ao STF foi de 9.555 (nove mil, quinhentos e cinqüenta e cinco), passando para 21.328 (vinte e um mil, trezentos e vinte e oito) com a redemocratização ocorrida em 1988, e tendo chegado em 2002 ao espantoso número de 160.453 (cento e sessenta mil, quatrocentos e cinqüenta e três) [10]. Isto significa um surpreendente aumento de 1.679,25% (mil, seiscentos e setenta e nove vírgula vinte e cinco por cento) em pouco mais de 20 anos.
Evidentemente que o Supremo Tribunal Federal, a fim de manter o seu status de Corte Constitucional deveria criar mecanismos para impedir que causas estritamente individuais e de só menos importância chegassem à mais alta Corte do País. Caso contrário sua missão precípua de guardião da Constituição estaria fatalmente comprometida ante o fenômeno mundial da massificação das relações jurídicas [11].
Nesse contexto, pode-se afirmar que a Repercussão Geral nada mais é do que um novo requisito de admissibilidade recursal – exclusivo dos RREE – que visa, além de diminuir o número de Recursos Extraordinários com possibilidade de serem efetivamente julgados, de modo a viabilizar sua apreciação pelo STF, selecionar quais RREE serão apreciados pelos integrantes do Supremo Tribunal Federal.
Não se pode perder de vista a competência constitucionalmente conferida ao Supremo Tribunal Federal nem tão pouco deixar de enxergá-la sob o prisma da razoabilidade. A defesa da Constituição, portanto, não pode legitimar a admissibilidade de recursos cuja análise e julgamento não repercutam para além da esfera meramente individual da parte demandante.
De fato, muitas Cortes Constitucionais têm buscado mecanismos inibidores de causas repetitivas, bem como de racionalização qualitativa dos seus recursos, ou seja, uma triagem prévia da causa para aferir se a mesma "merece" ser apreciada por si.
Não é outro o caso da Suprema Corte Norte Americana e do seu writ of certiorari, que consiste em peça preliminar encaminhada pela parte aquele Tribunal, na qual se declina um resumo dos fatos e da relevância da discussão. Procede-se, portanto, uma análise prévia acerca do cabimento ou não do recurso que se pretende manejar à Suprema Corte Americana com base nos conceitos de mootness e de ripeness, ou seja, respectivamente, se a causa está suficientemente madura para ser conhecida por esse Tribunal, ou se se trata de questão meramente abstrata que não se perfectibilizaria na vida real, de modo a evitar-se o julgamento de casos eminentemente hipotéticos.
Com esse escopo foi introduzido na nossa Constituição o instituto da Repercussão Geral, cuja adoção deverá robustecer o caráter objetivo do Recurso Extraordinário.
No que toca especificamente à regulamentação do referido instituto, impõe-se a reprodução das normas a seguir elencadas:
Lei 11.418/06:
Art. 2º A Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 543-A e 543-B:
"Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2º  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3º  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4º  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5º  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6º  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 7º  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão."
"Art. 543-BQuando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º  Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º  Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º  Julgado o mérito  do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4º  Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5º  O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral."
Art. 3º Caberá ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno, estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei. (grifos nossos)
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF):
Art. 322. O Tribunal recusará recurso extraordinário cuja questão constitucional não oferecer repercussão geral, nos termos deste capítulo.
Parágrafo único. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das partes.
Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral.
§ 1° Tal procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercussão geral.
§ 2° Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Relator(a) admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral.
Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relator(a), os demais ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de 20 (vinte) dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral.
Parágrafo único. Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.
Art. 325. O(A) Relator(a) juntará cópia das manifestações aos autos, quando não se tratar de processo informatizado, e, uma vez definida a existência da repercussão geral, julgará o recurso ou pedirá dia para seu julgamento, após vista ao Procurador-Geral, se necessária; negada a existência, formalizará e subscreverá decisão de recusa do recurso.
Parágrafo único. O teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, que deve integrar a decisão monocrática ou o acórdão, constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso.
Art. 326. Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e, valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo(a) Relator(a), à Presidência do Tribunal, para os fins do artigo subseqüente e do artigo 329.
Art. 327. A Presidência do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão.
§ 1° Igual competência exercerá o(a) Relator(a) sorteado(a), quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pela Presidência.
§ 2° Da decisão que recusar recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo.
Art. 328. Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de ofício ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de juizado especial, a fim de que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes informações, que deverão ser prestadas em 5 (cinco) dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica.
Parágrafo único. Quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a) selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do art. 543-B do Código de Processo Civil.
Art. 328-A. Nos casos previstos no art. 543-B, caput, do Código de Processo Civil, o Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade sobre os recursos extraordinários já sobrestados, nem sobre os que venham a ser interpostos, até que o Supremo Tribunal Federal decida os que tenham sido selecionados nos termos do § 1º daquele artigo.
§ 1º Nos casos anteriores, o Tribunal de origem sobrestará os agravos de instrumento contra decisões que não tenham admitido os recursos extraordinários, julgando-os prejudicados nas hipóteses do art. 543-B, § 2º, e, quando coincidente o teor dos julgamentos, § 3º.
§ 2º Julgado o mérito do recurso extraordinário em sentido contrário ao dos acórdãos recorridos, o Tribunal de origem remeterá ao Supremo Tribunal Federal os agravos em que não se retratar.
Art. 329. A Presidência do Tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito. (grifos nossos)
Pela leitura desses dispositivos, vê-se que a admissibilidade de todos os recursos idênticos ficará subordinada a análise de um ou alguns poucos RREE que subirão ao STF para que se examine a repercussão geral (543-A, caput e § 5º do CPC, 322, parágrafo único e 328, parágrafo único, do RISTF). Tal decisão é irrecorrível (art. 326, RISTF) e alcança, pois tomada sob um viés objetivo, todos os demais recursos que restaram sobrestados (art. 543-B, § 2º, do CPC e 328-A, § 1º do RISTF).
Anote-se que com a adoção da repercussão geral, o Recurso Extraordinário passou indiscutivelmente a ter caráter objetivo. Não é mais o controle difuso/concreto de constitucionalidade que se queda objetivado, mas o próprio processo, o próprio recurso. É o que se extrai do art. 543-A, § 1º, do CPC e do art. 322, parágrafo único, do RISTF, ao disporem, ambos, que a repercussão geral consiste na existência de questões relevantes sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa ou das partes envolvidas no processo. Ora, se a discussão travada no RE para ser admitida perante o STF deve ultrapassar os interesses subjetivos envolvidos na demanda, claros parecem ser tanto a eficácia quanto o efeito que o Supremo Tribunal Federal pretende conferir ao julgado (erga omnes e vinculante).
Observa-se também, que a decisão meritória proferida em um ou alguns recursos extraordinários, de certo modo, condiciona/vincula o Tribunal a quo, que se vê meio que compelido, nos termos dos §§ 2º, 3º e 4º do art. 543-B do Código de Ritos e §§ 1º e 2º do art. 328-A do RISTF, a adotar o posicionamento fixado pelo Pretório Excelso, ou seja: a) retratar-se, caso sua decisão tenha sido contrária à do STF, ou b) julgar prejudicados os demais RREE sobrestados, caso o STF tenha chancelado o posicionamento da inferior instância. Assim, a inconstitucionalidade ou constitucionalidade pronunciada em um único Recurso Extraordinário, em sede de controle incidental, pelo efeito irradiante operado pelos dispositivos reguladores da repercussão geral, de uma só vez, alcança diversos RREE, podendo vir a ter, ainda que por uma via oblíqua, eficácia erga omnes e efeito vinculante.
2.2 Da súmula vinculante:
No que concerne à súmula vinculante, de igual modo, introduzida no nosso Ordenamento Jurídico por obra da Emenda Constitucional nº 45/2004 e regulamentada pela Lei 11.417/2006, impende citar os seguintes dispositivos:
Constituição Federal de 1988:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Lei 11.417/2006 (grifos nossos):
Art. 2º  O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.
§ 1º  O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
§ 2º  O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante.
§ 3º  A edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante dependerão de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária.
§ 4º  No prazo de 10 (dez) dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo.
(...)
Art. 4º  A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.
(...)
Art. 7º  Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.
Legítimo concluir-se que a súmula vinculante, muito embora a Lei não seja expressa a esse respeito, poderá ter origem nos julgamentos proferidos em RREE. Assim, a decisões tomas em sede de controle incidental de constitucionalidade, a depender o teor da matéria discutida, poderão ser conferidos tanto eficácia erga omnes quanto efeito vinculante (como o próprio nome revela), já que há a possibilidade de elaboração de uma súmula vinculante a partir do referido julgado. A súmula vinculante nº 8 é exemplo clássico dessa afirmação: "são inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º do decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam da prescrição e decadência de crédito tributário." Originária dos debates travados nos julgamentos dos RREE nºs 559.943-4, 559.882-9, 560.626-1 e 556.664-1.
Nesse contexto, ganha força o entendimento pelo qual o inciso X do art. 52 da Constituição não confere eficácia erga omnes e efeitos vinculantes às decisões tomadas em controle de constitucionalidade incidental pelo Supremo Tribunal Federal, mas tão-somente detém a função de tornar pública a decisão, levando seu teor ao conhecimento de todos os cidadãos [12].

3. Da causa petendi aberta:

A par das alterações legislativas acima apontadas, houve outra evolução (ou melhor, o STF encontra-se em processo de evolução), desta vez de entendimento, no que toca aos requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário, especificamente voltada ao prequestionamento.
No caso, o STF tem relativizado (ainda que de forma vacilante e com posicionamentos divergentes) a necessidade de a matéria já haver sido discutida pelas instâncias inferiores, de modo a permitir o seu conhecimento originariamente pela Corte, sob o argumento de que a discussão acerca da constitucionalidade ou não de determinada norma deve ser travada de forma ampla – causa petendi aberta.
Tal entendimento foi defendido pela Ministra Ellen Gracie, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 375.011/RS, 05 de outubro de 2004, no qual Sua Excelência se manifestou expressamente sobre a transformação do recurso extraordinário em remédio de controle abstrato de constitucionalidade, e sob esse fundamento dispensou o requisito do prequestionamento para prestigiar o posicionamento do STF em matéria de controle de constitucionalidade. Assim lavrou-se a ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDORES DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. REAJUSTE DE VENCIMENTOS CONCEDIDO PELA LEI MUNICIPAL 7.428/94, ART. 7º, CUJA INCONSTITUCIONALIDADE FOI DECLARADA PELO PLENO DO STF NO RE 251.238. APLICAÇÃO DESTE PRECEDENTE AOS CASOS ANÁLOGOS SUBMETIDOS À TURMA OU AO PLENÁRIO (ART. 101 DO RISTF).
1.Decisão agravada que apontou a ausência de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no recurso extraordinário, porquanto a Corte a quo tão-somente aplicou a orientação firmada pelo seu Órgão Especial na ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnava o art. 7º da Lei 7.428/94 do Município de Porto Alegre – cujo acórdão não consta do traslado do presente agravo de instrumento –, sem fazer referência aos fundamentos utilizados para chegar à declaração de constitucionalidade da referida norma municipal.
2.Tal circunstância não constitui óbice ao conhecimento e provimento do recurso extraordinário, pois, para tanto, basta a simples declaração de constitucionalidade pelo Tribunal a quo da norma municipal em discussão, mesmo que desacompanhada do aresto que julgou o leading case.
3.O RE 251.238 foi provido para se julgar procedente ação direta de inconstitucionalidade da competência originária do Tribunal de Justiça estadual, processo que, como se sabe, tem caráter objetivo, abstrato e efeitos erga omnes. Esta decisão, por força do art. 101 do RISTF, deve ser imediatamente aplicada aos casos análogos submetidos à Turma ou ao Plenário. Nesse sentido, o RE 323.526, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence.
4.Agravo regimental provido. (grifos nossos)
Do corpo do voto, destaque-se:
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões.
Recordo a discussão que se travou na Medida Cautelar no RE 376.852, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes (Plenário, por maioria, DJ de 27.03.2003). Naquela ocasião, asseverou Sua Excelência o caráter objetivo que a evolução legislativa vem emprestando ao recurso extraordinário, como medida racionalizadora da efetiva prestação jurisdicional.
Registro também importante decisão tomada no RE 298.694, rel. Min. Pertence, por maioria, DJ 23/04/2004, quando o Plenário desta Casa, a par de alterar antiga orientação quanto ao juízo de admissibilidade e de mérito do apelo extremo interposto pela alínea "a" do permissivo constitucional, reconheceu a possibilidade de um recurso extraordinário ser julgado com base em fundamento diverso daquele em que se lastreou a Corte a quo.
Esses julgados, segundo entendo, constituem um primeiro passo para a flexibilização do prequestionamento nos processos cujo tema de fundo foi definido pela composição plenária desta Suprema Corte, com o fim de impedir a adoção de soluções diferentes em relação à decisão colegiada. É preciso valorizar a última palavra – em questões de direito – proferida por esta Casa. (grifos nossos)
Mais recentemente, acerca do tema, bastante elucidativo foi o pronunciamento do Ministro Gilmar Ferreira Mendes no julgamento do RE 582.760/RS, o qual se passa a reproduzir, na parte que interessa, in litteris:
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Senhores Ministros, acompanho a integralidade do voto da eminente Ministra Relatora. Faço-o tendo em vista inclusive as novas premissas que tem assentado este Tribunal em matéria de recurso extraordinário.
Tal como já destaquei, o Tribunal não se tem, na verdade, atido a mais – e aí, diria eu, felizmente – àquela ortodoxia do recurso extraordinário apenas como matéria de caráter subjetivo, ou como elemento de defesa de caráter subjetivo. Pelo contrário, a partir de várias decisões, temos tido a manifestação do Tribunal no sentido de, especialmente quando se trata da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade, se manifestar, a despeito daquela manifestação não aproveitar o caso concreto. Cito, então, vários precedentes. Claro, alguns não se referem a recursos extraordinários, mas todos dizem respeito ao controle incidental de normas.
(...)
Nesta mesma linha – e aqui nós adentramos no terreno do RE -, no RE 102.553, da relatoria do Ministro Francisco Rezek, RTJ 120.725, o Tribunal assumiu de novo a condição de titular da guarda da Constituição para examinar a constitucionalidade de outras normas, ainda que isso não interessasse ao recorrente. Tratava-se da apreciação de uma resolução do Senado que versava matéria de alíquota do ICMS.
No caso, a terminologia adotada, o Tribunal conheceu do recurso extraordinário do contribuinte, negou-lhe provimento, declarando, porém, a inconstitucionalidade da resolução questionada.
(...)
São inúmeros os casos em que o Tribunal tem se pronunciado no sentido de uma causa petendi aberta ao que leva a uma ruptura com a tendência de estrita subjetivação do recurso extraordinário.
Exatamente como Sua Excelência propõe.
A Corte tem admitido a possibilidade de conhecer do recurso extraordinário sem vincular-se à fundamentação do caso específico.
Cito vários precedentes, como já mencionado: RE 298.694, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence; RE 172.058, da relatoria do Ministro Marco Aurélio; RREE 416.827 e 388.830, ambos da minha relatoria.
De modo que, com esses fundamentos, acompanho na integralidade o voto da eminente Ministra relatora. E muitos desses precedentes se desenvolveram antes do advento da Emenda 45, de 2004. Hoje, essa objetivação é uma decorrência, embora o caso específico tenha singularidades, por que não houve aqui o reconhecimento da repercussão geral – isto foi assinalado por todos -, mas hoje é evidente que a objetivação do recurso extraordinário é um imperativo deste modelo de repercussão geral.
Deste modo, pedindo, claro, vênias a toda a maioria já formada, eu gostaria de relembrar essa doutrina do Tribunal a propósito do tema. Manifesto-me, claro, com todos os encômios, e integralmente me associo à manifestação de Sua Excelência a Ministra relatora. (grifos nossos)
Clara, portanto, a tendência pela superação do requisito do prequestionamento como necessário ao conhecimento do Recurso Extraordinário, justamente pela razão desde o início deste estudo declinada, a objetivação do controle difuso ou concreto de constitucionalidade.

4. Conclusão:
Diante da mutação legislativa (tanto constitucional quanto infraconstitucional) acima indicada, entendemos por consolidado em nosso Ordenamento Jurídico o caráter objetivo conferido ao controle difuso ou concreto de constitucionalidade.
Tal estrada foi aberta com alterações pontuais no Código de Processo Civil (Lei nº 9.756/98 e Lei nº 10.352/01) e pavimentada por meio da Emenda Constitucional nº 45/04, introdutora dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante.
A par disso, o recente posicionamento do STF vem flexibilizando o antes imprescindível prequestionamento para o Recurso Extradordinário, alicerçado no entendimento de que o controle de constitucionalidade deve ser feito com base no amplo conhecimento da matéria e não adstrito aos termos da discussão travada no processo intersubjetivo. Introduz-se, deste modo, a figura da causa petendi aberta ampliando ainda mais as pistas da estrada da objetivação do controle difuso ou concreto de constitucionalidade.
Acreditamos que o caminho traçado seguiu por um rumo necessário e inevitável. A redemocratização trazida à tona pela Constituição de 1988 tendia a uma asfixia do próprio sistema por ela criado, um processo paradoxal de autofagia que levaria o sistema de controle da constitucionalidade, próprio do Supremo Tribunal Federal, ao colapso, uma vez que já não mais era possível digerir, em tempo hábil e com a segurança que se espera, o elevado número de RREE que chegavam diuturnamente àquela Corte Suprema.
Destarte, os fatos foram expostos (objetivação do controle difuso ou concreto de constitucionalidade), mas suas conseqüências ainda são incertas. Há implicações correlatas ao novel modelo que precisam ser amadurecidas em nosso Ordenamento Jurídico e assimiladas pela sociedade destinatária, tais como o pleno acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88), os princípios do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88), mitigados com dita objetivação do RE, bem como a participação do amicus curiae como figura legitimadora desse novo paradigma. Todavia, tais questionamentos não cabem nestas páginas, devendo ser objeto de outro estudo e de outro artigo jurídico.

Notas
  1. MADOZ, Wagner Amorim. O recurso extraordinário interposto de decisão de Juizados Especiais Federais. Revista de Processo, São Paulo: RT, 2005, nº 119, p. 75-76.
  2. NEGRÃO, Theotônio, GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2005, 37ª Ed.
  3. NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, 8ª Ed. P. 902: "Quando o plenário do STF ou o plenário ou órgão especial do próprio tribunal, onde foi ou poderia ter sido suscitado o incidente, já tiverem se pronunciado sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei questionada, não há necessidade de o órgão fracionário (câmara, turma, câmaras reunidas, grupo de câmaras, seção etc.) remeter a questão ao julgamento do plenário ou órgão especial. Nesse caso, o órgão fracionário pode aplicar a decisão anterior do plenário do STF ou do próprio tribunal, que haja considerado constitucional ou inconstitucional a lei questionada. Trata-se de medida de economia processual."
  4. STF – Primeira Turma – RE 190.728/SC – Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 30 de maio de 1997, decisão por maioria.
  5. STF – Segunda Turma – AgRgAI 168.149/RS – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 04 de agosto de 1995, decisão unânime.
  6. MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., op cit, p. 1087-1088.
  7. RE 228.844/SP, Rel. Maurício Corrêa, DJ de 16-6-1999; RE 221.795, Rel. Nelson Jobim, DJ de 16-11-2000; RE 364.160, Rel. Ellen Gracie, DJ de 7-2-2003; AI 423.252, Rel. Carlos Velloso, DJ de 15-4-2003; RE 345.048, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 8-4-2003; RE 384.521, Rel. Celso de Mello, DJ de 30-5-2003. Referências extraídas de MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., Op Cit, p.1088, nota 95.
  8. STF – Plenário – HC 82.959/SP – Rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 01 de setembro de 2006. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em deferir o pedido de habeas corpus e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, Presidente. O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária evolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.
  9. Ambos os informativos foram extraídos do site do Supremo Tribunal Federal nos links: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo454.htm
  1. Fonte: Relatórios Anuais, Secretaria de Informática e Secretaria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal, extraído de MENDES, Gilmar Ferreira ET AL., op cit, p. 956-957.
  2. Modernamente, é universal a compreensão de que tanto em Estados federais quanto em Estados unitários, de família romano-germânica ou anglo-saxã, é imprescindível a existência de um tribunal de cúpula, responsável pela manutenção da integridade do direito, mediante a uniformização da sua interpretação.
Ocorre que desde o início do século passado se notam nos tribunais de cúpula dos diversos países as conseqüências da massificação das relações jurídicas, gerada, fundamentalmente, pela revolução industrial. Como é natural, o incremento do número de relações jurídicas acarreta diretamente o aumento do número de demandas levadas ao Poder Judiciário, o que, combinado com o movimento mundial pelo acesso à justiça, deflagrado na segunda metade do século XX, vem contribuindo sobremaneira para o assoberbamento dos tribunais em todos os quadrantes do globo.
Diante desse fenômeno, as nações viram-se na contingência de adotar medidas que amenizassem os efeitos nocivos da sobrecarga de trabalho de suas cortes supremas. É difícil conceber, hoje em dia, algum país que não tenha adotado medidas para estabelecer filtros ao acesso de recursos a elas dirigidos. (DANTAS, Bruno. Repercussão Geral: Perspectiva Histórica, Dogmática e de Direito Comparado: Questões Processuais. Coleção Recursos no Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 89-90)
  1. Lúcio Bittendourt, O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Forente, 1968, apud MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Segurança, São Paulo: Malheiros, 2008, 31ª Ed., p.584.



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