sexta-feira, 19 de novembro de 2010

INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Por: Fernando Lima

Interpretação
Toda norma jurídica é objeto de interpretação, seja a lei escrita (seu campo mais freqüente), seja a decisão judicial, seja o direito consuetudinário, seja o tratado internacional. Assim, a norma costumeira, a jurisprudência, os princípios gerais de direito podem, e devem, ser interpretados, para se esclarecer o seu real significado e alcance.  Mas vamos nos ater ao objeto deste trabalho monográfico que é a interpretação da norma constitucional.
A interpretação legal é responsável pela criação da norma e sua evolução. Toda lei enseja interpretação, e o processo hermenêutico tem, sem dúvida, relevância superior ao próprio processo de elaboração legislativa, uma vez que será através da interpretação da lei que esta será aplicada e inserida dentro de um contexto fático específico, sendo adequada a toda uma realidade histórica e os valores dela decorrentes. (VER a LEITURA COMPLEMENTAR nº 1)

  Princípios

Os princípios são as idéias fundamentais do sistema jurídico. Sua função é a de conferir ao sistema um sentido lógico, harmonioso e racional, facilitando a compreensão de seu funcionamento. Podemos afirmar, também, que os princípios exercem a função de legitimar o ordenamento jurídico. Carlos Alberto Bittar diz que os princípios legitimam o ordenamento jurídico, na medida em que representam os ideais primeiros de justiça, que se encontram ínsitos na consciência coletiva dos povos, através dos tempos e dos espaços.
Miguel Reale ensina que os princípios, como enunciações normativas de valor genérico, atuam como condicionantes e orientadores do sistema jurídico, tanto para sua integração, como para a elaboração de novas normas.
            Celso Antônio Bandeira de Mello alerta para o perigo da transgressão de um princípio: “Princípio, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário, que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um Princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra.”
Sendo a Constituição o texto legal supremo e fundamental de um Estado, podemos aferir, mesmo intuitivamente, que os princípios nela contidos expressamente, ou dela extraídos, configuram-se como os princípios norteadores fundamentais de todo o ordenamento jurídico do Estado.
            Ao se elaborar uma Constituição, o constituinte elege, ‘a priori’, quais serão estes princípios. Mas, esta eleição não ocorre de forma alheia ou seguindo a vontade de uns poucos indivíduos. Para que a Constituição seja a efetiva tradução dos anseios da sociedade naquele momento, esta escolha deve levar em consideração o momento social, político, histórico, e econômico da Nação. Em outras palavras, os princípios deverão advir da escolha da sociedade, como um corpo único, que neste momento determina quais serão as linhas orientadoras de sua conduta, quais são os valores que estão presentes em seu espírito social, advindos do seu desenvolvimento através da história, como povo organizado sobre um determinado território, detentor da soberania de auto-determinar seu presente e seu futuro.
            Canotilho considera os princípios constitucionais a alma da Constituição, e os classifica em quatro grupos, a saber:
            a) os fundamentais – aqueles historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica, e são recepcionados expressa ou implicitamente no texto constitucional;
            b) os politicamente conformadores – aqueles que demonstram, de forma explícita, as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte;
            c) os impositivos – todos os que impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e execução de tarefas;
            d) os de garantia – os que estabelecem, de forma direta e imediata, uma garantia para os cidadãos.
Os Princípios Fundamentais, portanto, são aqueles que visam essencialmente definir e caracterizar a coletividade política e o Estado, e enumerar as principais opções político-constitucionais constantes da Constituição. São os princípios definidores da forma, da estrutura e do tipo de Estado (art. 1º), da forma de governo e da organização dos poderes (arts. 1º e 2º), da organização da sociedade (art. 3º, I), do regime político (art. 1º, parágrafo único), dos deveres do Estado (art. 3º, II, III e IV), e do relacionamento com a comunidade internacional (art.4º ).
c) Ver Preambulo e os arts. 1° a 4° da CF/88
 A Constituição Federal de 1988, em seu primeiro Título, enumera os Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil, que têm como objetivo precípuo demonstrar ao homem os seus direitos, e as obrigações que ele tem em relação ao Estado, bem como em relação aos demais componentes da sociedade, porque somente a partir desse conhecimento é que o cidadão poderá fazer valer os seus direitos fundamentais, elencados na Constituição Federal.

Os princípios constitucionais, portanto, guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Os princípios não se destinam a regular situações específicas, como as regras jurídicas, mas lançam a sua força sobre todo o mundo jurídico. Os princípios ocupam uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa, a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.
O reflexo mais imediato disso é o caráter de sistema que os princípios impõem à Constituição. Sem os princípios, a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico. A Constituição não seria reconhecida como um todo sistemático e congruente. Desta forma, por mais que certas normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve ser minimizada, pela força catalisadora dos princípios.
Outra função muito importante dos princípios é servir como critério de interpretação das normas constitucionais, seja ao legislador ordinário, no momento de criação das normas infraconstitucionais, seja aos juízes, no momento da aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus direitos.
Em resumo, os princípios constitucionais são aqueles valores, consagrados pela Constituição Federal, com a finalidade de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação e finalmente, o que é mais importante, de espraiar os seus valores sobre todo o mundo jurídico.
Esses princípios são tão importantes, que alguns deles são considerados como cláusulas pétreas, ou seja, imutáveis – CF/88, art. 60, §4°.
Os princípios fundamentais são, portanto, os valores ordenadores, são as idéias fundamentais e informadoras do sistema jurídico, variando conforme o momento histórico, social e político de cada sociedade. Os princípios fundamentais são a base estrutural de qualquer sistema jurídico. Eles podem ser considerados “o espírito da Constituição”. Os princípios atuam como pressupostos do sistema, servindo para legitimá-lo.
Existem também os sub-princípios, que são derivados dos princípios maiores, fundamentais, como, por exemplo, do Princípio Democrático extraímos o Princípio do Sufrágio Universal.
 Norberto Bobbio, em seu livro Teoria do Ordenamento Jurídico, ensina que: “ao lado dos princípios gerais expressos há os não-expressos, ou seja, aqueles que se podem tirar por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema.”

Os Princípios do Estado Democrático de Direito  
 (texto extraído do artigo O Estado Democrático de Direito, de José Afonso da Silva - http://mx.geocities.com/profpito/estado.html )
a) princípio da constitucionalidade, que exprime, em primeiro lugar, que o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos deles provenientes, com as garantias de atuação livre da jurisdição constitucional;
b) princípio democrático que, nos termos da Constituição, há de constituir uma democracia representativa e participativa, pluralista, e que seja a garantia geral da vigência e eficácia dos direitos fundamentais (art.1o);
c) sistema de direitos fundamentais individuais, coletivos, sociais e culturais (Títs. II, VII e VIII);
d) princípio da justiça social, referido no art.170, caput, no art. 193, como princípio da ordem econômica e da ordem social; como dissemos, a Constituição não prometeu a transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, como o faz a Constituição portuguesa, mas abre-se  ela, também, para a realização da democracia social e cultural, embora não avance significativamente rumo à democracia econômica;
e) princípio da igualdade (art. 5o, caput, e inciso I);
f) princípio da divisão de poderes (art. 2o) e da independência do juiz (art. 95);
g) princípio da legalidade (art. 5o, II);
h) princípio da segurança jurídica (art. 5o, XXXV a LXXII).
Tarefa Fundamental do Estado Democrático De Direito
- A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.

Classificação dos Principais Constitucionais ( e limitação do Poder constituinte Decorrente )

O art. 25 da CF/88 dispõe: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”.
Não se deve esquecer, portanto,  que o chamado poder constituinte decorrente do Estado-membro é, por sua natureza, um poder constituinte limitado, ou seja, é um poder sujeito a limites jurídicos, impostos pela Constituição Maior.
Essas limitações são de duas ordens: (1) as Constituições estaduais não podem contrariar a Constituição Federal (limitação negativa); e (2) as Constituições estaduais devem concretizar no âmbito territorial de sua vigência os preceitos, o espírito e os fins da Constituição Federal (limitação positiva).
          A idéia de limitação material (positiva ou negativa) do poder constituinte decorrente remonta, no Direito Constitucional brasileiro, à Constituição de 1891, que, no art. 63, previa que cada Estado seria regido "pela Constituição e pelas leis" que adotasse, "respeitados os princípios constitucionais da União". Embora o texto não explicitasse quais eram esses princípios, havia um certo consenso na doutrina sobre o conteúdo dessa cláusula. Assim, as controvérsias político-constitucionais resultantes dessa imprecisão levaram o constituinte derivado, na Reforma de 1926, a elencar, expressamente, esses princípios. Essa tendência foi preservada pelas Constituições posteriores.

          A doutrina brasileira tem-se esforçado para classificar esses princípios constitucionais federais que integram, obrigatoriamente, o direito constitucional estadual. Na conhecida classificação de José Afonso da Silva, esses postulados podem ser denominados princípios constitucionais sensíveis, extensíveis e estabelecidos.
Os princípios constitucionais sensíveis são aqueles cuja observância é obrigatória, sob pena de intervenção federal (CF 1988, art. 34, VII).    A Constituição de 1988 foi moderada na fixação dos chamados princípios sensíveis.  Nos termos do art. 34, VII, devem ser observados pelo Estado-membro, sob pena de intervenção: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública direta e indireta.
Os princípios constitucionais extensíveis consistem nas regras de organização que a Constituição estendeu aos Estados-membros.
Os princípios constitucionais estabelecidos seriam aqueles princípios que limitam a autonomia organizatória do Estado (por exemplo, CF/88, art. 37). As limitações que decorrem desses princípios podem ser: I) expressas; implícitas; e III) decorrentes do sistema constitucional adotado. As limitações expressas subdividem-se em vedatórias, que proíbem os estados de adotar determinados atos ou procedimentos, e mandatórias, que determinam a observância de certos princípios. As limitações implícitas não estão estabelecidas textualmente na Carta Magna,  mas são percebidas a partir de certas regras dispostas esparsamente na Constituição. São exemplos a separação dos poderes e a unicameralidade do poder legislativo dos Estados-membros e dos Municípios. Já as limitações decorrentes do sistema decorrem da interpretação sistemática  do texto constitucional. Um bom exemplo é o princípio do pacto federativo, que é percebido a partir da igualdade entre as pessoas federadas.


Resumo

Portanto, os princípios que limitam a capacidade constitucional de organização dos Estados membros são divididos pela doutrina em sensíveis e estabelecidos.
São princípios constitucionais sensíveis a forma republicana, o sistema representativo, o regime democrático, os direitos da pessoa humana, a autonomia municipal e a prestação de contas da administração pública, direta e indireta. Esses princípios constituem a essência da organização constitucional do Estado-membro brasileiro. A União poderá intervir em qualquer dos Estados membros ou no Distrito Federal para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis (CF/88, art. 34, inciso VII).
São princípios constitucionais estabelecidos todos os outros, estabelecidos em diversos artigos da Constituição Federal. A sua inobservância pelos Estados-membros não poderá acarretar a intervenção federal, mas apenas a inconstitucionalidade.
Os princípios constitucionais extensíveis são regras de organização da União que também são de cumprimento obrigatório pelos Estados-membros. Entretanto, devemos ressaltar que o descumprimento de tais princípios não gera a intervenção federal.

Não confunda: as cláusulas pétreas limitam o poder reformador. As cláusulas pétreas são: a forma federativa de estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (CF/88, art. 60, §4°)

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